Por que Francis Ford Coppola gastou US$ 140 milhões do próprio bolso em 'Megalópolis'? Entenda
‘Risco é parte da arte’, diz ao g1 diretor lendário que decidiu autofinanciar sonho de décadas após anos de rejeições dos estúdios. Filme estreou no Brasil nesta quinta (31). Francis Ford Coppola explica por que pagou US$ 140 milhões para fazer ‘Megalópolis’
Sonhos raramente são fáceis ou baratos. Até mesmo para cineastas lendários como Francis Ford Coppola, que precisou batalhar por quatro décadas e tirar estimados US$ 140 milhões do próprio bolso para financiar seu novo filme, “Megalópolis”.
Mesmo o diretor de clássicos, como a trilogia “O poderoso chefão” e “Apocalypse now” (1979), não conseguiu convencer os estúdios de Hollywood a bancar a obra, que estreou no Brasil nesta quinta-feira (31).
G1 já viu: ‘Megalópolis’ é megalomaníaco, autoindulgente, teatral demais e uma experiência incrível
Para o ítalo-americano de 85 anos, uma profunda aversão a riscos impede que as empresas tradicionais do cinema americano produzam grandes épicos como os de antigamente.
Por isso, Coppola se viu obrigado a quebrar mais uma vez uma das regras douradas da indústria e vendeu parte de suas vinícolas para pagar, ele mesmo, o orçamento do grande épico. Algo parecido com o que havia feito para realizar seu clássico sobre a guerra do Vietnã.
“Naqueles dias, eu tinha feito dois ‘O poderoso chefão’ e eles ganharam muito dinheiro. Eu ganhei muitos Oscars, mas, quando eu disse que queria fazer ‘Apocalypse now’, eles (estúdios) disseram que não queriam. Então, eu apenas fiz mesmo assim”, relembra o diretor, ganhador de cinco estatuetas da Academia.
“Eu era uma voz poderosa em Hollywood. Agora, eu sou um vovô velho e queria fazer ‘Megalópolis’ e ninguém queria. Eles não acham que esse tipo de filme segue a fórmula. Sabe, especialmente com um grande orçamento, é preciso ter um super-herói que voe ou, basicamente, muitas colisões de carros e coisas que fazem parte da fórmula.”
Francis Ford Coppola e Adam Driver durante as gravações de ‘Megalópolis’
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A história de ‘Megalópolis’
Em “Megalópolis”, o diretor se inspira na tentativa frustrada de golpe de um senador romano décadas antes de Cristo para contar a história da decadência de uma versão dos Estados Unidos disfarçada como Nova Roma.
No futuro próximo do roteiro escrito pelo cineasta, uma espécie de arquiteto governamental (Adam Driver) enfrenta políticos, banqueiros e seus próprios sentimentos para criar uma metrópole utópica.
Ele descreve a trama como uma fábula – algo que, para ele, os grandes estúdios simplesmente não fazem mais.
“Há uma ideia estreita, baseada provavelmente na ciência, algoritmos, do que um filme precisa ter para não perder dinheiro. O que significa não correr riscos. Para mim, riscos fazem parte da arte. Você não consegue mais fazer arte sem riscos”, afirma Coppola.
“Assim como, eu já falei antes, não dá para fazer bebês sem sexo. Risco é parte da arte. Pular no desconhecido prova que você é livre para fazer o que for necessário, o que precisamos fazer, como pessoas, nesse mundo.”
Adam Driver e Nathalie Emmanuel em cena de ‘Megalópolis’
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A história por trás de ‘Megalópolis’
A história por trás de “Megalópolis” é tão interessante quanto a retratada – se não mais. A ideia surgiu no começo dos anos 1980 e já teve algumas versões diferentes.
A maior parte delas concorda que Coppola juntou inúmeras páginas de anotações e referências de outros filmes, depois escreveu um longo roteiro inspirado na Roma Antiga que, para muitos, era “infilmável”.
“Comecei a fazer anotações sobre vários filmes para entender qual era o meu estilo, mas isso não era ‘Megalópolis’. Ele começou mesmo quando eu decidi que queria fazer um épico romano. Mas um épico romano hoje tem que ser sobre os Estados Unidos, porque, depois da Segunda Guerra, todos os caminhos levam para os Estados Unidos”, conta ele.
“Hoje, os Estados Unidos estão prestes a perder sua república e acabar com um rei, ou um ditador. Algo que parece que o mundo inteiro está fazendo. O mundo parece que não aprende sobre sua história, porque só olhamos para a história recente.”
Em certo momento, perto do final da década, o diretor chegou a fazer planos de filmar seu projeto no lendário estúdio Cinecittà, na capital italiana.
Nos anos 1990, Coppola deixou a ideia um pouco de lado e se dedicou a filmes como “O poderoso chefão: Parte 3” (1990), “Drácula de Bram Stoker” (1992), “Jack” (1996) e “O homem que fazia chover” (1997).
“Megalópolis” voltou a aparecer na imprensa especializada no começo dos anos 2000. Atores como Robert De Niro, Leonardo DiCaprio, James Gandolfini e Ryan Gosling participaram das discussões, mas nenhum contrato foi assinado.
Francis Ford Coppola e Adam Driver conversam durante filmagem de ‘Megalópolis’
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‘O único que sabe o que o diretor quer’
As filmagens foram finalmente confirmadas em 2019, com um grande elenco encabeçado por Adam Driver (da trilogia nova de “Star Wars”), Nathalie Emmanuel (“Game of thrones”) e Giancarlo Esposito (“Breaking Bad”).
O início da produção não significou o fim dos problemas. Ao longo das gravações, equipes da direção de arte e dos efeitos visuais foram substituídas.
Os embates ajudaram a inchar o orçamento. Inicialmente estimado em US$ 120 milhões, o valor no fim chegou mais perto dos US$ 140 milhões, de acordo com o jornal “New York Times”.
“Muitas vezes, em ‘Megalópolis’, eu falava: ‘Eu sou o único que sabe o que o diretor quer. Você não sabe’. Eles sabem o que os diretores de filmes de super-herói quer, mas não é o que eu quero”, diz Coppola.
“Tive muitas discussões sobre os efeitos (visuais) nesse filme, porque eu queria que fossem igual aos de ‘Dracula (de Bram Stoker)’. Queria que fossem feito de forma prática. E eles diziam: ‘Mas conseguimos fazê-los melhor com tela verde’. E eu respondia: ‘Mas eu não quero melhor. Quero que o filme pareça feito à mão’.”
Cena de ‘Megalópolis’
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‘O cinema de nossos netos será lindo’
Com o filme finalizado, o diretor não conseguiu convencer os estúdios nem a distribuírem a obra pelo mundo. Em maio de 2024, “Megalópolis” participou da disputa pela Palma de Ouro, no Festival de Cannes, sem um distribuidor.
Em junho, o cineasta chegou a um acordo com a Lionsgate, desde que ele bancasse os custos de marketing.
No meio tempo, Coppola ainda enfrentou acusações de conduta imprópria durante as filmagens. Figurantes dizem que o diretor deu beijos em suas bochechas e tocou em suas costas e quadris sem permissão na gravação de uma cena.
Ele não só nega, como ainda processou a revista “Variety”, que divulgou vídeos de bastidores.
Desde a estreia em alguns mercados ao redor do mundo, “Megalópolis” tem sofrido para encontrar um público. Tanto que nos Estados Unidos e no Canadá, conseguiu pouco mais de US$ 7,5 milhões desde o fim de setembro.
Em todo o planeta, a arrecadação chega a US$ 13,3 milhões. O diretor, no entanto, mantém o otimismo mostrado em sua fábula.
“Acho que duas instituições hoje estão morrendo. O jornalismo e o sistema de estúdios. A boa notícia é que algo tão importante quanto o jornalismo, ou algum tipo de sistema de estúdios de cinema, vão renascer de alguma forma nova amanhã”, afirma ele.
“Algo melhor está chegando e o cinema de nossos netos será lindo.”
Giancarlo Esposito em cena de ‘Megalópolis’
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