'O Sonho Americano': série investiga o peso do meio ambiente na corrida eleitoral nos EUA
O impacto planetário do ‘fracking’ passa longe das preocupações dos eleitores da Pensilvânia. Por lá, 51% são a favor, 30% são contra e 19% não têm opinião. A população está dividida. O Sonho Americano: série investiga como questões ambientais influenciam eleição presidencial
Na viagem em que investiga o que seria atualmente o sonho americano, o correspondente Felipe Santana chegou à Pensilvânia. Um estado, onde a vitória eleitoral pode determinar quem vai morar na Casa Branca a partir de janeiro de 2025.
No interior da Pensilvânia se vê muitas pontes que foram construídas cobertas para proteger do sol, da chuva, da neve. Resistiram muito tempo, como uma de 1885. A Pensilvânia foi um dos primeiros estados a desenvolver infraestrutura nos Estados Unidos, porque tem uma tradição industrial. Principalmente, extrativista. Primeiro, a madeira, e depois, o carvão.
Só que, com o passar do tempo, o carvão foi se mostrando muito prejudicial para o meio ambiente. Aí, regulações ambientais fizeram com que a produção dele ficasse muito cara. Muitas minas fecharam.
E surgiu uma nova onda de extração: o fracking. Isso tem dividido os americanos eleitoralmente. Menos pelo fato de que o fracking talvez polua mais do que o carvão e mais por motivos econômicos. O meio ambiente, um dos assuntos que mais interessa no Brasil, é o tema do oitavo episódio da série “O Sonho Americano”.
Como em um conto de fadas, pouco antes da aposentadoria, uma professora conheceu o homem da vida dela.
“No segundo encontro ele me disse: ‘Eu posso construir uma casa para você’”, conta.
Na casa nova entre as árvores, o plano era se dedicar apenas à pintura. Até que uma surpresa apareceu à porta.
“Eles disseram que poderia haver gás aqui e que, se eu alugasse a terra, poderia ganhar uma fatia”, diz.
A vizinhança toda se animou com a promessa.
“Me disseram que eu ia ganhar US$ 5 mil por mês pelos próximos 50 anos. Para o meu vizinho, disseram que ele ia ter dinheiro para comprar uma Mercedes por dia e ainda ia sobrar troco”, conta.
Aí veio a empresa de gás e transformou a paisagem de Dimock, na Pensilvânia. O que aconteceu depois é o que conta o episódio desta segunda-feira (4) da série “O Sonho Americano”.
A equipe do Jornal Nacional chegou ao fundo da mina de carvão em Scranton, na Pensilvânia. Desceram o equivalente a um prédio de 34 andares. É tudo escuro lá; não se consegue ver a saída. É meio assustador. Foi assim, no mundo subterrâneo, que a economia do estado da Pensilvânia se desenvolveu.
“Eu fui mineiro por 40 anos. Meu bisavô, meu avô, meu pai, todos trabalhavam na mina. Quando me formei no ensino médio, foi meu primeiro emprego. E eu amei desde que comecei”, afirma.
Não é exagero dizer que, sem as minas, os Estados Unidos não teriam ganhado a Segunda Guerra Mundial. De lá saía o carvão que aquecia as casas dos americanos, mas também produzia armas e abastecia as locomotivas que as transportavam.
Só que a partir dos anos 1970, as regulamentações começaram a ficar mais rígidas. Isso fez com que o carvão se tornasse mais caro e entrasse em declínio. Muita gente da geração do Edmund perdeu o emprego. Milhares de minas foram desativadas.
A que o Jornal Nacional visitou é uma raridade porque está seca. A maioria delas foi cavada abaixo do nível do lençol freático e inundou. As consequências são sentidas até hoje lá na superfície.
Havia uma gigantesca mina de carvão. Quando ela foi desativada, os túneis encheram de água. Hoje, essa água brota do solo contaminada, indo direto para os rios. É uma cena triste. O cheiro é de enxofre. O rio está morto, nada sobrevive lá. E as pequenas iniciativas para descontaminar não são suficientes. Não há vontade política, não há dinheiro suficiente, não há espaço. Por isso, a água que entra no reservatório sai de uma forma pouco diferente do jeito que entrou. É a terra dos rios enferrujados.
O Bob faz o trabalho de formiguinha de tentar reabilitá-los, com sucesso muito limitado.
“Eu quero mostrar que esses rios tiram valor dos terrenos das pessoas, que tiram áreas de recreação, porque ninguém pode nadar e ninguém pode pescar. E que as áreas ao redor das minas abandonadas podem causar incêndios”, diz Bob.
Ele trabalha com o governo. Recolhe os minérios que poluem os rios e os transforma em tinta para ensinar às crianças os malefícios dos rios cor de laranja.
Aposentar o carvão também é uma tentativa de diminuir o impacto americano nas mudanças climáticas, uma vez que é o combustível que mais produz carbono na sua queima. Mas a lição do passado carvoeiro importa pouco para o presente de Dimock.
“Nós sabíamos que o carvão era ruim. Eu tinha mineiros na minha família; aqui é a Pensilvânia. Mas aí começou essa moda do gás natural. Tinha a palavra ‘natural’ no nome, nos diziam que é melhor para o meio ambiente”, diz.
Fracking, que se traduz para fraturamento hidráulico
Jornal Nacional/ Reprodução
Foi com a promessa de dinheiro e de um futuro limpo que a população deixou que as empresas explorassem gás natural bem na frente de casa. Isso era possível por causa de uma nova tecnologia, que é o tema central de 2024 nas eleições na Pensilvânia: o fracking – que se traduz para fraturamento hidráulico. Esses poços vão até as profundezas do solo e chegam na camada de pedra. Aí, um jato fortíssimo de água e produtos químicos é usado para fazer rachaduras. Essas rachaduras liberam o gás que está na pedra, que sobe por um tubo. A chama é alimentada exatamente pelo gás que sai das profundezas. E a piscina do lado é a água com os produtos químicos usados no processo. O problema é para onde vai essa água.
“Você quer beber isso aqui?”, questiona.
Fracking: piscina é a água com os produtos químicos usados no processo
Jornal Nacional/ Reprodução
Ray coletou a água que tirou do poço depois que o fracking começou. E, desde então, coleciona desgraças.
“Eu tive que fazer sete cirurgias de câncer no último ano e meio. Eu tenho silicose nos pulmões por causa da areia que eles usam na extração. Ninguém tinha me contado isso”, conta Ray.
Na hora em que Ray topou alugar o terreno para extração, havia uma série de linhas finas no contrato. Uma delas o proibia de falar em público sobre a ação da empresa ou sobre os impactos do fracking. Ele não se segurou. Falou. Hoje, ele enfrenta um processo de US$ 8 milhões por contar sobre a tragédia que vive.
A princípio, o gás natural era visto como melhor para o meio ambiente, uma energia mais limpa. Mas hoje se sabe que a perfuração deixa escapar o gás que está nas rochas, e que isso é pior para as mudanças climáticas até do que o carvão. Os Estados Unidos relaxaram as regras ambientais e, por causa do fracking, se tornaram o maior produtor de gás natural do mundo.
Isso está ligado a outra tragédia. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, os Estados Unidos colocaram sanções que proibiam os russos de vender gás para a Europa. A Rússia era o maior fornecedor, e esse mercado ficou disponível. Depois da guerra, os Estados Unidos se tornaram o principal exportador de gás natural para a Europa. Eles transformam o gás em líquido e enviam em contêineres em navios. E se tornaram, também, o maior exportador de gás liquefeito do mundo.
O impacto planetário do fracking passa longe das preocupações dos eleitores da Pensilvânia. Por lá, 51% dos eleitores são a favor do fracking, 30% são contra e 19% não têm opinião. A população está dividida.
Na região de Wade, ao norte do estado, nasce o grande Rio Delaware. Por causa dele, o fracking lá nunca foi permitido. Porque o medo da agência ambiental é que essa fonte de água super importante para a população seja contaminada. Só que a maioria dos moradores não gostou da decisão.
“Eu já tinha até assinado contrato de aluguel das minhas terras para produção de gás”, conta um morador.
O fracking ajudou os americanos a serem independentes de energia de outros países em 2019.
“Nós precisamos de energia e de muito mais no futuro para desenvolver inteligência artificial, por exemplo. Para mim, o sonho americano é você ter sua propriedade e independência”, diz.
Donald Trump transformou seu apoio ao fracking em bordão:
“Drill, baby, drill”, que quer dizer “perfure o solo, baby, perfure”.
E Kamala Harris, que há cinco anos se dizia contra o fracking, teve que mudar de opinião e agora diz que é a favor.
Mas nas terras por onde o fracking de gás passou, em uníssono, os moradores dizem que o verdadeiro sonho americano é outra coisa: ar, água e solo saudáveis. Foi lá que a equipe do Jornal Nacional encontrou, em toda a viagem, o sonho americano mais doente, em farrapos.
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